Abril Encantado | Primeiro capítulo
Primeiros Capítulos

Abril Encantado | Primeiro capítulo

Capítulo 1

Começou em um Clube de Senhoras em Londres, numa tarde de fevereiro — um clube desconfortável e uma tarde infeliz —, quando a Sra. Wilkins, que viera de Hampstead para fazer compras e fora almoçar em seu clube, pegou o Times da mesa na sala de fumantes e, passando o olhar desinteressado pela seção de Cartas dos Leitores, viu o seguinte:

Para Quem Gosta de Glicínias e Sol. Pequeno castelo medieval italiano às margens do Mediterrâneo, mobiliado, vago para o mês de abril. A cria­dagem necessária permanecerá. Z, Caixa-postal 1.000, The Times.

Foi ali que começou; no entanto, como em muitos outros casos, não era possível saber disso na hora.

A Sra. Wilkins não tinha a menor ideia de que ali, naquele exato momento, seu mês de abril daquele ano havia sido definido, e largou o jornal com um gesto irritado e resignado, foi até a janela e olhou com melancolia para a rua encharcada.

Não eram para ela os castelos medievais, nem mesmo aqueles especificamente descritos como pequenos. Não eram para ela as margens do Mediterrâneo em abril, as glicínias e o sol. Esses prazeres eram apenas para os ricos. No entanto, o anúncio tinha sido dirigido a pessoas que gostam dessas coisas, então, de alguma forma, também se dirigia a ela, pois certamente as apreciava; mais do que qualquer um sabia, mais do que alguma vez admitira. Mas ela era pobre. A única coisa que possuía de sua no mundo eram apenas noventa libras, economizadas ano a ano, libra por libra, cuidadosamente retiradas do seu orçamento para vestuário. Ela havia juntado essa quantia por sugestão do marido, como garantia para os dias de tempestade. Seu orçamento para vestuário, dado pelo pai, era de 100 libras por ano, então as roupas da Sra. Wilkins eram o que seu marido, que a incentivava a economizar, chamava de modestas e apropriadas, e a figura dela, para eles, quando ao menos falavam dela, o que quase nunca ocorria por ela ser bastante irrisória, era perfeita.

O Sr. Wilkins, um advogado, incentivava a economia, exceto a ramificação dela que se intrometia na sua comida. A isso, não chamava de economia, mas de péssima administração doméstica. Mas para a economia que, como uma traça, penetrava nas roupas da Sra. Wilkins e as arruinava, ele era só elogios.

— Nunca se sabe quando a tempestade virá — dizia ele —, e você vai ficar muito contente ao se ver com um pé-de-meia. Na verdade, nós dois ficaremos.

Olhando pela janela do clube para a Shaftesbury Avenue — seu clube era econômico, mas conveniente para Hampstead, onde ela morava, e para Shoolbred’s, onde fazia compras —, a Sra. Wilkins, quedando-se ali por algum tempo muito melancólica, com a mente repleta de visões do Mediterrâneo em abril, das glicínias e das oportunidades invejáveis ​​dos ricos, enquanto seus olhos de fato observavam a chuva escura e horrenda que caía constante nos guarda-chuvas apressados ​​e espirrava nos ônibus, de repente se pôs a imaginar se aquela não seria a tempestade para a qual Mellersh — Mellersh era o Sr. Wilkins — tanto a incentivara a se preparar, e se sair daquele clima rumo ao pequeno castelo medieval não seria o que a Providência tinha planejado o tempo todo que ela fizesse com suas economias. Parte de suas economias, é claro; talvez até uma bem pequena. O castelo, por ser medieval, também podia estar em ruínas, e as ruínas sem dúvida eram baratas. Ela não se importaria nem um pouco com isso, porque não se pagava por ruínas que já existiam, pelo contrário — ao reduzir o preço a pagar, na verdade eram as ruínas que pagavam para você. Mas que absurdo pensar nisso...

Ela se afastou da janela com o mesmo gesto de irritação e resignação com que largara o Times, atravessou a sala rumo à porta com a intenção de pegar sua capa e seu guarda-chuva, abrir caminho dentro de um dos ônibus superlotados e ir à Shoolbred’s a caminho de casa para comprar algumas solhas para o jantar de Mellersh — ele não era de comer peixe e gostava apenas do tipo linguado, exceto salmão —, quando viu a Sra. Arbuthnot, uma mulher que ela conhecia de vista e também morava em Hampstead e pertencia ao clube, sentada à mesa no meio da sala onde ficavam os jornais e as revistas, absorta, por sua vez, na primeira página do Times.

A Sra. Wilkins nunca havia conversado com a Sra. Arbuthnot, que pertencia a um dos vários grupos da igreja e analisava, classificava, dividia e registrava os pobres, enquanto ela e Mellersh, quando saíam, iam às festas de pintores impressionistas, que eram muitos em Hampstead. Mellersh tinha uma irmã que se casara com um deles e morava no Heath e, por causa dessa ligação, a Sra. Wilkins foi arrastada para um círculo que não lhe era nem um pouco natural e aprendeu a temer quadros. Tinha que comentar alguma coisa sobre eles, mas não sabia o que dizer. Costumava murmurar “maravilhoso” e sentir que não era suficiente. Mas ninguém se importava. Ninguém ouvia. Ninguém nem sequer notava a Sra. Wilkins. Ela era o tipo de pessoa que não é notada nos eventos. Suas roupas, afligidas pela poupança, a deixavam praticamente invisível; seu rosto não era arrebatador; sua conversa era reticente; ela era tímida. E se as roupas, o rosto e a conversa de alguém são insignificantes, pensou a Sra. Wilkins, reconhecendo suas limitações, o que restava nas festas para essa pessoa?

Além disso, ela estava sempre com Wilkins, aquele homem barbeado e de boa aparência, que, só por comparecer a uma festa, já conferia a ela ótimos ares. Wilkins era muito respeitável. Era conhecido por ser tido em alta conta por seus sócios seniores. O círculo de sua irmã o admirava. Ele dava pareceres adequadamente inteligentes sobre arte e artistas. Era incisivo; era prudente; nunca dizia uma palavra a mais nem a menos que o suficiente. Ele dava a impressão de manter uma cópia de tudo o que dizia e era tão obviamente confiável que com frequência acontecia de as pessoas que o conheciam nessas festas ficarem insatisfeitas com os próprios advogados e, depois de um período de inquietação, se livrarem deles e procurarem Wilkins.

Naturalmente, a Sra. Wilkins era ofuscada.

— Ela — dizia a irmã dele, com um quê de crítica, compreensão e conclusão em seu tom — devia ficar em casa.

Mas Wilkins não podia deixar a esposa em casa. Ele era advogado de família, e todos eles têm esposas e as exibem. Durante a semana, ia com ela a festas e, aos domingos, à igreja. Sendo ainda relativamente jovem — tinha trinta e nove anos — e interessado em velhinhas, das quais ainda não havia muitas em seu escritório, não podia se dar ao luxo de não ir à igreja, e era de lá que a Sra. Wilkins conhecia a Sra. Arbuthnot, embora nunca tivessem se falado.

Ela a via organizar os filhos dos pobres em bancos. Entrava à frente da procissão da Escola Dominical, exatamente cinco minutos antes do coral, colocava seus meninos e meninas impecavelmente sentados em seus devidos lugares, depois apoiados em seus joelhinhos em sua oração preliminar e por fim de pé outra vez quando, ao som do órgão, a porta da sacristia se abria, e o coral e o sacerdote, carregados com as litanias e os mandamentos que deveriam pregar, de lá emergiam. Ela exibia uma expressão triste, embora fosse claramente eficiente. A combinação costumava deixar a Sra. Wilkins reflexiva, pois, nos dias que ela só conseguia comprar linguado, Mellersh lhe dizia que, se uma pessoa fosse eficiente, não ficaria deprimida, e quem faz bem o seu trabalho se torna automaticamente alegre e vibrante.

Não havia nada de alegre e vibrante na Sra. Arbuthnot, embora muito do seu comportamento com as crianças da Escola Dominical fosse automático; mas, quando a Sra. Wilkins, virando-se da janela, a viu no clube, não havia nada de automático nela; em vez disso, olhava fixamente para um trecho da primeira página do Times, segurando o jornal, imóvel, os olhos parados. Ela estava apenas olhando; e seu rosto, como sempre, era o de uma madona paciente e decepcionada.

A Sra. Wilkins a observou por um minuto, tentando criar coragem para falar com ela. Queria perguntar se tinha visto o anúncio. Não sabia por que queria perguntar isso a ela, mas queria. Que estúpido não conseguir falar com ela. A mulher parecia tão gentil. Parecia tão infeliz. Por que duas pessoas infelizes não podiam animar uma à outra, no decorrer desse negócio enfadonho que é a vida, conversando um pouco — uma conversa natural e verdadeira sobre o que sentiam, do que gostariam e que esperanças ainda tentavam nutrir? Ela não conseguia deixar de achar que a Sra. Arbuthnot também estava lendo aquele mesmo anúncio. Os olhos dela estavam bem naquela parte do jornal. Será que ela também imaginava como seria — a cor, o cheiro, a luz, o mar batendo suavemente entre as pedrinhas quentes? Cor, cheiro, luz, mar; em vez da Shaftesbury Avenue, dos ônibus molhados, da seção de peixes na Shoolbred’s, do metrô de Hampstead e do jantar, e a mesma coisa amanhã, e depois de amanhã e sempre o mesmo...

De repente, a Sra. Wilkins se viu inclinada sobre a mesa.

— A senhora está lendo sobre o castelo medieval e as glicínias? — ouviu-se perguntar.

Naturalmente, a Sra. Arbuthnot ficou surpresa; mas não tanto quanto a própria Sra. Wilkins por perguntar.

Até onde a Sra. Arbuthnot sabia, ainda não tinha visto a figura prosaica, emaciada e vagamente composta, sentada à sua frente, com seu rostinho sardento e os grandes olhos cinzentos quase desaparecendo sob um chapéu impermeável amassado, e por isso olhou para ela por um momento sem responder. Ela estava lendo sobre o castelo medieval e as glicínias, ou melhor, tinha lido sobre ele dez minutos antes e desde então se perdera em sonhos — de luz, cor, cheiro, o mar batendo suavemente nas pedrinhas quentes...

— Por que a pergunta? — disse com a voz grave, pois seu treinamento com os pobres a tornara grave e paciente.

A Sra. Wilkins corou e pareceu excessivamente tímida e assustada.

— Ah, só porque eu também vi e pensei que talvez... de alguma forma... — ela gaguejou.

Por hábito, enquanto olhava pensativamente para a Sra. Wilkins, a Sra. Arbuthnot, acostumada a colocar as pessoas em listas e divisões, imediatamente considerou qual rubrica, supondo que tivesse de classificá-la, lhe seria mais adequada.

— E eu a conheço de vista — prosseguiu a Sra. Wilkins, que, como todos os tímidos, quando começava, não conseguia parar, assustando-se cada vez mais com suas palavras ao ouvir o mero som do que acabara de dizer. — Todo domingo... vejo a senhora todo domingo na igreja...

— Na igreja? — ecoou a Sra. Arbuthnot.

— E isso parece uma coisa maravilhosa... esse anúncio sobre as glicínias... e...

A Sra. Wilkins, que devia ter pelo menos trinta anos, parou e se contorceu na cadeira, com o movimento de uma colegial desajeitada e constrangida.

— Parece tão maravilhoso — prosseguiu numa espécie de explosão — e... está um dia tão horrível...

E então ela permaneceu sentada olhando para a Sra. Arbuthnot com os olhos de um cachorro preso.

Essa pobrezinha, pensou a Sra. Arbuthnot, que dedicara a vida a ajudar e acalmar, precisa de conselhos.

Por isso, ela se preparou pacientemente para dá-los.

— Se você me vê na igreja — disse ela, gentil e atenciosa —, imagino que também more em Hampstead?

— Ah, sim — disse a Sra. Wilkins. E repetiu, com a cabeça sobre o pescoço comprido e fino pendendo um pouco, como se a lembrança de Hampstead a oprimisse: — Ah, sim.

— Onde? — perguntou a Sra. Arbuthnot, que, quando era necessário aconselhamento, naturalmente começava primeiro a coletar fatos.

Mas a Sra. Wilkins, colocando a mão de maneira suave e carinhosa na parte do Times onde estava o anúncio, como se as simples palavras impressas fossem preciosas, apenas disse:

— Talvez seja por essa razão que isso parece tão maravilhoso.

— Não... acho que é maravilhoso de qualquer maneira — disse a Sra. Arbuthnot, esquecendo-se dos fatos e suspirando de leve.

— Então a senhora o estava lendo?

— Sim — respondeu a Sra. Arbuthnot, com os olhos sonhadores outra vez.

— Não seria maravilhoso? — murmurou a Sra. Wilkins.

— Maravilhoso. — O rosto da Sra. Arbuthnot, que tinha se iluminado, desvaneceu-se novamente em paciência. — Muito maravilhoso. Mas não adianta perder tempo pensando em tais coisas.

— Ah, adianta. — Foi a resposta rápida e surpreendente da Sra. Wilkins; surpreendente porque era muito incomum a todo o resto que lhe compunha: o casaco e a saia sem personalidade, o chapéu amarrotado, a mecha indecisa de cabelo solto. — Pensar nisso por si só já vale a pena... uma diferença tão grande de Hampstead... e às vezes eu acredito... eu realmente acredito... que, se alguém pensa o suficiente, consegue as coisas.

A Sra. Arbuthnot a observou pacientemente. Em que categoria a colocaria se precisasse?

— Talvez — disse ela, inclinando-se um pouco para a frente —, você me diga seu nome. Se vamos ser amigas — ela abriu seu sorriso grave —, como espero que sejamos, é melhor começarmos do começo.

— Ah, sim... que gentileza sua. Sou a Sra. Wilkins. Não espero — acrescentou, corando, pois a Sra. Arbuthnot não disse nada — que isso signifique alguma coisa para a senhora. Às vezes parece... parece não significar nada para mim também. Mas — Ela olhou em volta como se procurasse ajuda — sou a Sra. Wilkins.

Ela não gostava do nome. Era um nome pequeno e medíocre, com uma espécie de voltinha jocosa no fim, pensava, como a espiral ascendente da cauda de um cãozinho pug. No entanto, lá estava. Não havia o que fazer. Wilkins ela era e Wilkins permaneceria; e embora o marido a encorajasse a responder Sra. Mellersh-Wilkins em todas as ocasiões, ela só o fazia quando ele estava ouvindo, pois achava que Mellersh tornava Wilkins pior, enfatizando-o do mesmo modo que Chatsworth nos portões de uma vila enfatiza a vila.

Na primeira vez em que ele sugeriu que ela acrescentasse Mellersh, ela se opusera usando esse argumento e, após uma pausa — Mellersh era prudente demais para falar, exceto após uma pausa, durante a qual, provavelmente, fazia uma cuidadosa cópia mental da observação a ser feita —, disse, muito descontente, “Mas eu não sou uma vila”, e a olhou com o olhar de quem espera, talvez pela centésima vez, não ter se casado com uma idiota.

Claro que ele não era uma vila, garantiu-lhe a Sra. Wilkins; ela nunca dissera isso; não havia sequer sonhado em dizer... estava apenas pensando...

Quanto mais ela explicava, mais fervorosa se tornava a esperança de Mellersh, já tão comum à época, pois ele estava casado havia dois anos, de que, por sorte, não tivesse se casado com uma idiota; e eles tiveram uma briga longa, se é que se pode chamar de briga uma que é conduzida por um silêncio digno de um lado e sinceras desculpas do outro, sem importar se a Sra. Wilkins tivera ou não a intenção de sugerir que o Sr. Wilkins era uma vila.

Acredito, pensou ela quando a briga enfim terminou, o que levou um bom tempo, que qualquer um discutiria por qualquer coisa quando não se separam nem por um único dia durante dois anos inteiros. O que nós dois precisamos é de umas férias.

Tentando se explicar para a Sra. Arbuthnot, ela prosseguiu:

— Meu marido é advogado. Ele... — Ela procurou algo esclarecedor que pudesse dizer sobre Mellersh e encontrou: — Ele é muito bonito.

— Bem — respondeu a Sra. Arbuthnot —, isso deve ser um grande prazer para a senhora.

— Por quê? — perguntou a Sra. Wilkins.

— Porque sim — disse a Sra. Arbuthnot, um pouco surpresa, pois suas constantes interações com os pobres a acostumaram a ter seus pronunciamentos acatados sem questionamentos —, porque a beleza, a formosura, é uma dádiva como qualquer outra, e se usada adequadamente...

Ela deixou a frase inacabada. Os grandes olhos cinzentos da Sra. Wilkins estavam fixos nela, e de repente pareceu à Sra. Arbuthnot que talvez ela estivesse se acostumando ao hábito da exposição, e uma exposição como a das governantas, que tinham uma audiência que não podia discordar delas, que teria medo de interromper se quisesse, que não soubesse das coisas e que estava, de fato, sob o seu controle.

Mas a Sra. Wilkins não estava ouvindo; pois naquele momento, por mais absurdo que parecesse, uma imagem surgiu em sua mente, e havia duas figuras sentadas juntas sob uma grande glicínia que se estendia pelos galhos de uma árvore que ela não conhecia, e as figuras eram ela mesma e a Sra. Arbuthnot — ela as viu —, ela as via. E atrás delas, brilhavam ao sol as velhas paredes cinza — o castelo medieval, ela o viu —, elas estavam lá...

Por isso, ela olhava para a Sra. Arbuthnot e não ouvia uma palavra que a mulher dizia. E a Sra. Arbuthnot também encarava a Sra. Wilkins, capturada pela expressão em seu rosto, que foi tomada pela excitação do que via e se tornava tão luminosa e trêmula quanto a água sob a luz do sol quando agitada por uma rajada de vento. Nesse momento, se estivesse em uma festa, a Sra. Wilkins teria sido observada com interesse.

Elas se encaravam; a Sra. Arbuthnot surpresa, com um ar inquisitivo, e a Sra. Wilkins com os olhos de alguém a quem fora feita uma revelação. É claro. Essa era a solução. Ela própria, por si só, não poderia arcar com os custos e, mesmo que pudesse, não conseguiria chegar até lá sozinha; mas ela e a Sra. Arbuthnot juntas...

Ela se inclinou sobre a mesa e sussurrou:

— Por que não tentamos ir?

A Sra. Arbuthnot arregalou ainda mais os olhos.

— Ir? — repetiu.

— Sim — disse a Sra. Wilkins, ainda como se estivesse com medo de que alguém a ouvisse. — Não apenas sentar aqui, dizer “Que maravilha” e depois voltar para casa em Hampstead sem ter movido um dedo... voltar para casa como sempre e cuidar do jantar e do peixe, como fazemos há anos e anos e continuaremos a fazer por anos e anos. Na verdade — disse a Sra. Wilkins, corando até a raiz dos cabelos, pois que estava dizendo, o que saía como um desabafo, a assustava, mas mesmo assim não podia parar —, não vejo fim para isso. Não há fim. Então tem que haver uma pausa, tem que haver intervalos... para o bem de todos. Ora, seria realmente altruísta viajar e ser feliz um pouco, porque voltaríamos muito melhores. Veja bem, depois de um tempo, todo mundo precisa de férias.

— Mas... o que você quer dizer com ir? — perguntou a Sra. Arbuthnot.

— Pegar — disse a Sra. Wilkins.

— Pegar?

— Alugar. Contratar. Aproveitar.

— Mas... você quer dizer você e eu?

— Sim. Nós duas. Dividir. Então custaria apenas metade, e a senhora parece tão... a senhora parece querer isso tanto quanto eu... como se precisasse de um descanso... de que algo feliz lhe acontecesse.

— Ora, mas nós não nos conhecemos.

— Mas pense quão bem nos conheceríamos se viajássemos juntas por um mês! E eu economizei para os dias de tempestade... veja só...

Ela está desequilibrada, pensou a Sra. Arbuthnot; no entanto, se sentia estranhamente empolgada.

— Pense em fugir por um mês inteiro... de tudo... para o paraíso...

Ela não devia dizer coisas assim, pensou a Sra. Arbuthnot. O vigário... Contudo, seria de fato maravilhoso ter um descanso, uma trégua.

O hábito, porém, a centrou novamente; e anos de relações com os pobres a fizeram dizer com a ligeira superioridade compadecida do explicador:

— Mas, veja bem, o paraíso não é outro lugar. É aqui e agora. É o que nos ensinam.

Ela ficou muito séria, como sempre fazia quando tentava pacientemente ajudar e instruir os pobres.

— O paraíso está dentro de nós — disse com sua voz baixa e gentil. — Quem nos diz é a maior de todas as autoridades. E você sabe o que está escrito sobre as semelhanças, não sabe...?

— Ah, sim, eu sei — interrompeu a Sra. Wilkins, impaciente.

— As semelhanças entre o paraíso e o lar — continuou a Sra. Arbuthnot, que estava acostumada a terminar suas frases. — O paraíso é a nossa casa.

— Não é — disse a Sra. Wilkins, outra vez de forma surpreendente.

A Sra. Arbuthnot ficou chocada. Então falou com gentileza:

— Ah, mas claro que é. Basta escolhermos e fazermos ser.

— Eu escolho, faço ser, e ainda assim não é — insistiu a Sra. Wilkins.

Então a Sra. Arbuthnot se calou, pois às vezes também tinha dúvidas sobre os lares. Ela ficou sentada, olhando inquieta para a Sra. Wilkins, sentindo cada vez mais a necessidade urgente de classificá-la. Ela achava que, se ao menos conseguisse classificar a Sra. Wilkins, colocá-la em segurança sob a rubrica certa, recuperaria o próprio equilíbrio, que parecia muito estranhamente pender todo para um lado. Pois ela também não tirava férias havia anos, e aquele anúncio, quando ela o viu, a fez sonhar; além disso, a empolgação da Sra. Wilkins com aquilo era contagiante e, enquanto ouvia aquela conversa impetuosa e estranha e observava o rosto iluminado da outra mulher, tinha a sensação de que estava sendo despertada do sono.

Sem dúvida, a Sra. Wilkins era desequilibrada, mas a Sra. Arbuthnot já havia encontrado desequilibrados antes — na verdade, ela sempre os encontrava —, e eles não afetavam de forma alguma sua própria estabilidade; ao passo que aquela ali a fazia sentir-se vacilante, quase como se tirar uma folga e viajar para longe, longe de sua bússola composta por Deus, Marido, Lar e Deveres — ela não achava que a Sra. Wilkins planejasse que o Sr. Wilkins fosse também —, e ao menos uma vez ser feliz fosse bom e desejável. O que é claro que não era; certamente não era. Ela também tinha um pé-de-meia, que investira aos poucos no Banco de Poupança dos Correios, mas supor que ela seria capaz de esquecer seus deveres a ponto de resgatar o dinheiro e gastá-lo consigo mesma era certamente absurdo. Claro que ela não poderia, nunca faria uma coisa dessas, não é? Sem dúvida não, jamais conseguiria esquecer seus pobres, esquecer a miséria e a doença assim de todo, não é? Sem dúvida, uma viagem à Itália seria extraordinariamente deliciosa, mas havia muitas coisas deliciosas que uma pessoa gostaria de fazer, mas por que então ela era agraciada com força se não para ajudá-la a não fazê-las?

Para a Sra. Arbuthnot, os quatro grandes fatos da vida eram imutáveis como os pontos cardeais: Deus, Marido, Lar, Deveres. Ela se apoiara nesses fatos anos antes, depois de um período de muito sofrimento, a cabeça repousada neles como se fossem um travesseiro; e tinha verdadeiro pavor de ser despertada dessa condição tão simples e confortável. Por isso, procurava com dedicação uma rubrica sob a qual colocar a Sra. Wilkins e, dessa maneira, iluminar e estabilizar a própria mente. Sentada ali, olhando-a inquieta após sua última observação e sentindo-se ficar cada vez mais desequilibrada e infectada, ela decidiu pro tempore, como dizia o vigário nas reuniões, colocá-la sob a rubrica Nervos. Era possível que ela entrasse diretamente na categoria Histeria, que muitas vezes era apenas a antecâmara da Loucura, mas a Sra. Arbuthnot aprendera a não se apressar em colocar as pessoas em suas categorias definitivas, tendo em mais de uma ocasião descoberto com consternação que cometera um erro; e tinha sido muito difícil realocá-las, e ela ficara devastada pelo mais terrível remorso.

Sim. Nervos. Provavelmente ela não tinha o costume de trabalhar para os outros, pensou a Sra. Arbuthnot; nenhum trabalho que a trouxesse para fora de si. Era evidente que estava sem leme — levada por rajadas, por impulsos. Era quase certo que Nervos era a sua categoria, ou seria em breve, se ninguém a ajudasse. Coitadinha, pensou a Sra. Arbuthnot, seu próprio equilíbrio voltando de mãos dadas com sua compaixão. Por causa da mesa, ela não conseguia ver o comprimento das pernas da Sra. Wilkins. Tudo o que via era o rosto pequeno, ansioso, tímido, os ombros magros e, em seus olhos, a expressão de desejo infantil por algo que tinha certeza que a faria feliz. Não; essas coisas tão fugazes não faziam as pessoas felizes. A Sra. Arbuthnot havia descoberto em sua longa vida com Frederick — seu marido, com quem se casara aos vinte anos e ainda não completara trinta e três — onde se encontram as verdadeiras alegrias. Elas só são encontradas, ela agora sabia, quando se vive para os outros a cada dia, a cada hora; elas só são encontradas — não tinha ela tantas vezes levado suas decepções e seu desânimo até lá, de onde saíra consolada? — aos pés de Deus.

Frederick tinha sido o tipo de marido cuja esposa logo se refugia aos pés de Deus. De uma coisa à outra, havia sido um passo pequeno, porém doloroso. Parecia-lhe pequeno em retrospecto, mas de fato consumira todo o primeiro ano de casamento, e cada centímetro do caminho havia sido uma luta, e cada centímetro daquilo havia sido manchado, ela sentira na época, com o sangue de seu coração. Tudo isso estava acabado agora. Havia muito, encontrara a paz. E Frederick, de noivo apaixonado e amado, de jovem e adorado marido, tornara-se o segundo, atrás apenas de Deus, em sua lista de deveres e tolerâncias. Ali ele permanecia, o segundo em importância, uma coisa sem sangue, tornada pálida pelas orações dela. Durante anos, ela só conseguira ser feliz esquecendo a felicidade. Queria permanecer assim. Queria calar tudo o que a lembrasse de coisas bonitas, que pudessem fazê-la ansiar outra vez, desejar...

— Eu gostaria muito de ser sua amiga — disse ela com sinceridade. — Por que não vai me visitar? Ou permita que eu vá até você? Sempre que tiver vontade de conversar. Vou lhe dar o meu endereço — ela procurou na bolsa — e então você não vai esquecer. — Ela encontrou um cartão e o estendeu.

A senhora Wilkins ignorou o cartão.

— É tão estranho — disse a Sra. Wilkins, como se não a tivesse ouvido. — Mas eu já nos vejo lá: nós duas, você e eu, no castelo medieval em abril.

A Sra. Arbuthnot voltou a ficar inquieta.

— Você vê? — perguntou, fazendo um esforço para manter o equilíbrio diante do olhar visionário daqueles brilhantes olhos cinzentos. — Vê?

— Você nunca vê as coisas numa espécie de flash antes que elas aconteçam? — perguntou a Sra. Wilkins.

— Nunca.

A Sra. Arbuthnot tentou sorrir; tentou abrir o sorriso compadecido, porém sábio e tolerante, com que estava acostumada a ouvir a opinião necessariamente tendenciosa e incompleta dos pobres. Mas não conseguiu. O sorriso estremeceu e sumiu.

— É claro — disse em voz baixa, quase como se estivesse com medo de que o vigário e o Banco de Poupança estivessem ouvindo —, seria muito bonito... muito bonito...

— Mesmo que fosse errado — disse a Sra. Wilkins —, seria apenas por um mês.

— Isso... — começou a Sra. Arbuthnot, bastante convicta de que aquele ponto de vista era completamente repreensível; mas a Sra. Wilkins a interrompeu antes que pudesse concluir:

— De qualquer forma, tenho certeza de que é errado continuar sendo boa por muito tempo, até a pessoa se tornar infeliz. E posso ver que você tem sido boa por muitos e muitos anos, porque parece tão infeliz — a Sra. Arbuthnot abriu a boca para protestar —, e eu... eu não faço nada além de obrigações, coisas para outras pessoas, desde menina, e não acredito que alguém me ame nem um pouco sequer... um pouco... o m-melhor... e eu desejo... ah, eu desejo... algo mais... algo mais...

Ela ia chorar? A Sra. Arbuthnot ficou extremamente desconfortável e compassiva. Torcia para que ela não começasse a chorar. Não ali. Não naquela sala hostil, com estranhos entrando e saindo.

Mas a Sra. Wilkins, depois de puxar agitadamente um lenço que não queria sair do bolso, enfim conseguiu apenas assoar o nariz e, piscando muito depressa uma ou duas vezes, olhou para a Sra. Arbuthnot com um ar trêmulo de desculpas meio humildes, meio assustadas e sorriu.

— Você acredita — sussurrou, tentando serenar a boca, claramente muito envergonhada de si mesma — que nunca falei assim com ninguém em toda a minha vida? Não consigo pensar, simplesmente não sei o que aconteceu comigo.

— É o anúncio — disse a Sra. Arbuthnot, assentindo com gravidade.

— Sim — concordou a Sra. Wilkins, secando furtivamente os olhos —, e nós duas sermos tão... — ela assoou o nariz novamente — infelizes.

 

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