Utopias feministas: quando a luta encontra a ficção
E se existisse uma sociedade secreta de mulheres, hierarquicamente organizada em uma ilha, governada por uma Rainha que as recrutava a partir do sofrimento vivenciado por elas no cotidiano? Ou um mundo sem guerras e violência, comandado por mulheres?
Utopias feministas são histórias criadas a partir de visões de um mundo ideal que inclui a igualdade de gênero. Algumas delas se tornaram marcos da literatura, como no caso de Terra das Mulheres, que conta a história de três homens que descobrem uma sociedade isolada de mulheres que vivem em harmonia e igualdade, sem a presença de homens.
Entretanto, antes do clássico de Charlotte Perkins Gilman e da crescente redescoberta de nomes anglófonos, duas outras autoras também mergulharam nas possibilidades de um mundo melhor para as mulheres.
Autoras pioneiras
Escrito em 1899, A Rainha do Ignoto é considerado o primeiro romance fantástico brasileiro e escrito por uma mulher. Discorrendo sobre temas relacionados à alma feminina e sua situação na sociedade patriarcal, a ficção de Emília Freitas revela uma sociedade secreta de mulheres, hierarquicamente organizada em uma ilha, denominada Ilha do Nevoeiro, governada por uma Rainha que as recrutava a partir do sofrimento vivenciado por elas no cotidiano.
Nascida na Índia colonial, Rokeya Hossain também é uma autora pioneira na ficção utópica feminista. O Sonho de Sultana é um conto, escrito em 1905, que imagina um mundo que inverte a privação de direitos tão comum para a história das mulheres. Segundo Elzahra Mohamed Radwan Omar Osman, autora de O Sonho da Sultana, a razão colonial e os feminismos em contextos islâmicos, a ficção de Rokeya Hossain "pode ser vista como uma das grandes obras utópicas feministas do início do século passado e cujos elementos sustentam ainda hoje projetos emancipatórios feministas decoloniais".
Utopia x Distopia
Utopia é um termo que se refere a uma sociedade ou comunidade idealizada a partir de um ponto de vista. No caso das utopias feministas, são histórias criadas a partir de visões de um mundo ideal que inclui a igualdade de gênero e uma sociedade mais justa para mulheres.
Esse termo costuma ser confundindo com a distopia, que na verdade se refere a uma sociedade imaginada de forma a ser opressiva, autoritária, controladora ou desumana. Geralmente, histórias distópicas como O Conto da Aia, por exemplo, são escritas para criticar e evidenciar a forma com que situações de opressão e violência podem chegar a extremos muito rapidamente.
Muitas vezes, a distopia nos faz questionar o que é preciso fazer para evitar que a sociedade chegue ao extremo retratado ali, enquanto as utopias nos levam a refletir o que precisa ser feito para alcançarmos um ideal, uma proposta de mundo melhor. As histórias utópicas feministas com alguma frequência exploram temas como a maternidade, política, sexualidade, economia e as relações pessoais em um mundo sem opressão.
Tanto utopias quanto distopias podem ser usadas como uma ferramenta de conscientização sobre as desigualdades de gênero que ainda existem em nossa sociedade e como uma forma de incentivar a mudança e a luta por um futuro mais igualitário.
Conheça A Rainha do Ignoto, uma utopia clássica e o primeiro romance fantástico nacional e escrito por uma mulher.
A ilustração da imagem destacada no começo deste post é da Suzane Lopes, do movimento1989.