Criminalidade na era vitoriana

De um lado, bailes extravagantes e uma nobreza luxuosa, do outro, desigualdades sociais crescentes e crimes que aterrorizaram os menos abastados. A mera menção à Era Vitoriana é capaz de despertar a curiosidade instantaneamente e, até hoje, continuamos fascinados pelas histórias escritas durante ou sobre o período, mesmo que elas não sejam tão agradáveis assim.

A Era Vitoriana, período no qual a Rainha Vitória reinou sobre a Inglaterra, no século XIX, foi marcada por avanços tecnológicos e transformações sociais, econômicas e culturais. Se por um lado o Império Britânico vivia uma era de ouro, por outro as contradições internas denunciavam uma sociedade cada vez mais desigual.

Escritores como Charles Dickens utilizavam a literatura para denunciar as mazelas da sociedade em obras icônicas como Oliver Twist. As taxas de alfabetização da época fizeram com que o público leitor crescesse de forma exponencial e havia centenas de revistas e jornais disponíveis a preços cada vez mais baratos. Somado a isso, a década de 1880 viu o surgimento do New Gate, que atraiu milhares de leitores com matérias sobre crimes violentos e escândalos na alta sociedade.

O fascínio pelos crimes vitorianos

Entender a forma como os crimes são julgados e noticiados em uma sociedade pode nos dizer muito sobre ela. Durante a Era Vitoriana, a percepção sobre os criminosos estava intimamente ligada à sua percepção da ordem social no que diz respeito à classe e ao gênero.

Em meados do século XIX, o termo "classes criminosas" era utilizado para sugerir que existia uma classe social incorrigível e, na maioria das vezes, esse termo fazia referência às classes mais pobres. O distanciamento da elite em relação a essa população era tão grande que, segundo o inglês Clive Emsley, professor de História e Presidente da International Association for the History of Crime and Criminal Justice, jornalistas muitas vezes escreviam sobre essa parcela da sociedade como se as pessoas pertencessem a alguma tribo exótica e distinta.

A mídia sensacionalista da época teve papel fundamental na proliferação de "manchetes e histórias sangrentas", que reforçavam esses estereótipos. Enquanto crimes envolvendo pessoas de classes mais favorecidas eram notificados com enfoque em escândalos econômicos, os crimes de violência eram renegados à população mais pobre.

Clive Emsley afirma que "violência, especialmente violência com frisson sexual, vendia jornais". Divulgar histórias de violência, principalmente entre classes menos favorecidas, e vendê-las como produtos de entretenimento se tornou comum e amplamente aceito.

O papel da mídia

Se por um lado a mídia foi responsável por criar um sentimento de pânico generalizado, como no caso dos assassinatos cometidos por Jack, o Estripador – que, apesar de os corpos terem sido encontrados em Londres, causaram histeria no país inteiro –, ela também gerou um fascínio da população em relação a crimes como um todo.

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Em 1842, a revista Punch escreveu: "o assassinato é, sem dúvida, uma ofensa muito chocante; no entanto, como o que é feito não pode ser desfeito, vamos ganhar nosso dinheiro com isso". Judith Flanders, historiadora, jornalista e autora sobre o período vitoriano, fala sobre as diferentes formas de abordar os crimes na época. Entre elas, existiam as Broadsides, folhas impressas que forneciam ao público matérias sobre os principais acontecimentos, desde naufrágios e fofocas reais até tumultos e assassinatos. Esses últimos eram acompanhados de ilustrações sinistras que retratavam o assassinato ou execução em questão.

A transformação de assassinos em verdadeiras celebridades macabras tem como seu maior exemplo Jack, o Estripador, cuja história ficou mundialmente famosa, tornando-o o mais famoso serial killer de todos os tempos. O tratamento da mídia em relação às suas vítimas, mais uma vez, expõe a forma como a sociedade enxergava as mulheres marginalizadas. Acreditar e reforçar que Jack, o Estripador, matou prostitutas, mesmo que essa afirmação esteja errada, ajudava a reforçar a moral da época que criava a noção de que existiam mulheres boas e más.

O legado deixado na literatura

E se a realidade não fosse o suficiente para agradar os leitores, a ficção apresentava histórias assustadoras e sangrentas o suficiente para cativar leitores todos os meses. As penny dreadfuls, publicadas em formato de folhetim, traziam periodicamente capítulos de histórias com versões romantizadas de bandidos, salteadores, entre outros. Sweeney Todd se tornou a história mais famosa dentro do gênero, ganhando adaptações para o teatro e a televisão, cuja fama perdurou décadas depois da publicação original.

A produção literária durante a Era Vitoriana foi fundamental para que o interesse nos crimes reais e na ficção crescesse e se mantivesse. Por meio desse legado, podemos ter um vislumbre dos valores e interesses de uma sociedade que, talvez, não esteja tão distante da nossa. Confira alguns livros que marcaram época e conheça um pouco mais do contexto da Era Vitoriana.