Gigantes | Rodrigo Ortiz Vinholo | Vilões
Mais um. Mais um de meus semelhantes perde a vida na minha frente. Outro, e outro. Nada posso fazer. Nenhum desses seres parece perceber os gritos, o desespero, o pânico que criam. Não, impossível. Certamente notam, já que seus atos falam por si só. Eles têm inteligência, têm propósito. Comunicam-se em sua linguagem ininteligível, respiram sobre nós e nos tocam; depois desaparecem, nos deixando com a incerteza da vida no dia seguinte, quando podem ou não voltar com um novo ataque. Mas este ataque de hoje... sinto que pode não existir amanhã.
Dizem que estão tentando nos dizimar. Não tenho certeza se esse é mesmo o caso, mas não consigo mais pensar em outra coisa. Entendo que o propósito deles pode ser a crueldade pura e simples, um ódio ao que somos e ao que representamos, pois não há outra explicação que não essa. Nada fizemos a eles. É incompreensível.
Eu nasci bem depois deles. Nenhum de nós estava aqui quando eles apareceram, mas a histórias foram passadas à frente, geração por geração, então sei algo sobre como surgiram. Dizem que, antigamente, vivíamos vidas completas e sem medo. Claro, éramos sujeitos às forças da natureza, mas nossos lares garantiam segurança o suficiente para que prosperássemos, crescêssemos e, eventualmente, encontrássemos a morte. Tudo tinha seu tempo.
Quando eles surgiram, enormes, falando em línguas desconhecidas e com suas aparências inexplicáveis, chegamos a confundi-los com alguma nova força da natureza, algo tão inesperado quanto o vento ou a chuva. Reconhecendo que possuíam algum tipo de vida e inteligência, passamos a observá-los de longe com certa curiosidade, mas sem envolvimento.
O primeiro ataque veio sem provocação. Ou melhor, dizem que o primeiro ataque veio quando um de nós encontrou a morte, completando seu ciclo de vida. Seu corpo teria sido encontrado pelos gigantes, e isso talvez tivesse os impulsionado a matar. É impossível saber, mas depois que levaram as primeiras vidas, nada foi da mesma maneira. Não bastasse a imprevisibilidade da natureza ou nosso desconhecimento em relação ao destino após a morte, agora podíamos a qualquer momento ser levados, atacados, mortos.
Compará-los com as forças da natureza talvez fosse válido no passado. Dizem que, na época, ataques eram raros. Eles surgiam de quando em quando, como chuvas fortes, ventanias, pragas ou doenças e, invariavelmente, levavam algumas vidas. Nós nos protegíamos como dava, o que geralmente significava pouco perante suas forças.
Gerações inteiras viveram sob a constante ameaça inexplicável, e qualquer tentativa de comunicação era falha. Logo aprendemos que o contato era impossível frente à crueldade deles e que nossos esforços eram inócuos.
Mas essa crueldade pontual, esse capricho, logo evoluiu para um sistema de abusos e torturas inconcebíveis. Gerações atrás, eles começaram a se envolver ativamente com nosso povo. Como sempre, não mantinham contato algum, ignorando as perguntas e os gritos de medo e desespero com a mesma facilidade que ignoravam abordagens pacíficas. Alternavam entre ataques cruéis e momentos de zelo e caridade, como se brincassem com nossos destinos.
Quando criaram barreiras para ventos e tempestades, alguns de nós pensaram que poderiam ter mudado suas intenções. A certa altura, passaram a espalhar substâncias desconhecidas em nossas comunidades, que nos fortaleciam. Nossos corpos mudaram, cresceram. As intempéries nos eram menos intensas e a morte natural custava mais a chegar. Fortificaram também as nossas moradias, mas, em seguida, os novos ataques vinham com ainda mais crueldade e precisão, minando a confiança que depositamos neles.
Eu sei que sou diferente de meus antepassados, mas não sei o quanto. Não sei dizer se o que sinto é diferente do que sentiam os que vieram antes, mas os gigantes ainda existem. Nunca vivi em uma época em que não estivessem por perto.
Agora, enquanto capturam inúmeros de nós, neste que pode ser a sua investida final, temos um plano. Estamos conscientes de que a morte é certa, mas decidimos partir para um ataque suicida. Derrubaremos ao menos um deles. Um gigante a menos para aterrorizar nosso povo já será uma vitória.
Nos preparamos. Ao meu comando, todos que tiverem condições devem se lançar em direção ao inimigo que avança.
***
— Chefe, tem alguma coisa errada!
— Fala, Marcos.
— Esse agrotóxico que você comprou pra essas plantas aí, doutor, não sei, não!
— É “defensivo agrícola”, Marcos. Mas qual o problema?
— Bom, o Jorge tava passando perto de uma da macieiras. Caíram umas vinte de uma vez só, tudo na cabeça dele. Nunca vi coisa assim, doutor.
— Que coisa...
— Pois é.
— Mas ele está bem?
— Olha, a gente tirou ele de lá desacordado, já estão levando ele pro médico, mas acho que não é nada sério.
— Menos mal. Me mantenha informado, por favor. Mas que coisa essas maçãs, hein?
— Pois é.
que incrível!
que incrível!