Trecho de "A Noiva do Rei-Dragão"
O poderoso rei dragão, Lung Wang, estava irritado em seu palácio debaixo do oceano. Já há algum tempo, ele se sentia cada vez mais desgostoso com a própria sorte. Como rei, eram-lhe negados muitos dos prazeres desfrutados pelas pessoas comuns. Sendo jovem e belo, era seu desejo sair e ver o mundo com seus próprios olhos. Porém, se ousasse realizar tal feito, seus ministros logo balançariam as cabeças em desaprovação e exclamariam:
— Ó, grande rei, imploramos que o senhor se lembre de que os monarcas não devem se colocar no mesmo nível dos súditos.
Muitas vezes, quando estava a ponto de fazer alguma coisa diferente que traria diversão ao seu dia, o rei era frustrado pela opinião cautelosa de seus conselheiros. Parecia até que esses homens eram seus inimigos. Sempre se colocando entre ele e as alegrias da vida. Um dia, o rei chamou seu primeiro-ministro e lhe disse:
— Honrado senhor, diga-me o que há de tão extraordinário em meu plano de sair pelo mundo. Por que eu não deveria deixar o reino em suas mãos por um tempo? Considero-o mais que um amigo, e o senhor é muito mais sábio que eu. Meu reino e eu não teríamos o que temer com tal transferência de poderes.
— Não é isso, Vossa Majestade — respondeu o ancião —, mas lembre-se de que sou velho e posso falecer a qualquer momento. Quanto ao senhor, o fato de não ser casado faz com que o trono não tenha um sucessor por direito. Suponha que algo lhe aconteça nessa viagem que propõe, qual seria o destino de vosso reino, aqui, debaixo do mar? Desse modo, eu imploro para que desista de vosso plano neste momento. Ceda aos argumentos de vossos conselheiros e encontre para si uma noiva. Quando vosso filho e herdeiro nascer, eu não mais tentarei impedi-lo de seguir vossa vontade, pois vosso reino estará seguro.
Lung Wang se comoveu com a súplica do ancião e prometeu ficar.
— Porém — disse ele, jocoso —, você deve encontrar uma noiva que me satisfaça em cada detalhe. Não me casarei só porque os reis devem fazê-lo. Devo encontrar uma moça pela qual eu sinta o mais ardente amor.
O ancião, satisfeito com o sucesso de seus argumentos, prometeu encontrar a princesa adequada para Lung Wang: uma que o deixasse satisfeito em cada detalhe.
— Dê-me apenas um mês — disse ele ao partir —, e eu lhe garantirei a mais perfeita felicidade.
Mas Lung Wang era mais exigente do que o primeiro-ministro esperava. Muitas princesas do oceano vindas de reinos vizinhos foram trazidas ao palácio apenas para encontrar a desaprovação do rei. As moças retornavam aos seus lares em desgraça, com longas queixas contra o excêntrico rei dragão, que era tão exigente. Quanto a Lung Wang, ele havia sido sincero em seu desejo de agradar seu povo, mas estava relutante em sacrificar seus ideais de beleza apenas para satisfazer seus súditos.
— Ora! Querem que eu, um rei, cometa um erro do qual me arrependeria para sempre na questão mais importante de minha vida? — dizia ele aos que se mostrassem muito impacientes.
— Mas, se Vossa Majestade não amar a escolhida, poderá dispensá-la e escolher outra — argumentavam.
— Vocês me aconselhariam tal injustiça? — Sua resposta era carregada de desdém. — Desejo ser um modelo para meu povo quando me casar. Devem concordar que seria pouco justo dispensar uma mulher inocente simplesmente porque sou incapaz de me apaixonar por ela. Não, o melhor seria jamais ter esposa alguma.
Por fim, Lung Wang se cansou dos esforços infrutíferos feitos em seu nome e, convocando os membros de seu gabinete, anunciou sua decisão de deixar o país e viajar por um ano:
— Ao partir — anunciou ele, dirigindo-se ao primeiro-ministro —, sei que violo seu desejo e o de seus colegas. Ainda assim, deve admitir que falhou completamente em encontrar a noiva que me prometeu. Não posso mais refrear meu desejo de viajar e ver o mundo. Daqui a um ano retornarei um homem muito mais sábio do que quando parti.
Embora apreensivos, os conselheiros foram forçados a ceder aos desejos do rei. E foi com muita tristeza que a corte e o povo assistiram à partida de seu amado rei dragão. Apesar de suas ideias estranhas, poucos governantes eram amados com tal devoção. As últimas palavras que ouviu ao emergir das águas foram as preces de seus súditos para que retornasse em segurança.
Por quase um ano, Lung Wang viajou por diversas terras e impérios. Com a habilidade de se converter em qualquer forma, foi fácil ter acesso a todo e qualquer palácio. Ele rapidamente se familiarizou com os costumes do grande mundo. Muitas foram as novas ideias que guardou em sua mente, satisfeito ao imaginar que poderia engrandecer seu povo ao introduzi-las em seu domínio. Porém, em meio aos muitos prazeres que o cercavam, havia uma ideia que não saía de sua cabeça:
Devo encontrar uma moça que eu deseje tornar minha rainha, pensava ele.
Com isso em mente, examinou as belas damas de cada palácio, mas nenhuma o fez dizer a si mesmo “Eu a amo e farei dela minha noiva”.
Um dia, ele se encontrava às margens do grande rio Hoang Ho. A vista das águas amarelas fluindo em direção ao mar o fez pensar em sua terra natal e no palácio submerso nas vastas profundezas. Lung Wang foi sentindo uma enorme saudade de casa enquanto fitava o rio. Para atender ao seu desejo de sentir por alguns instantes as águas fluindo ao seu redor, ele se transformou em um pequeno peixe e nadou para lá e para cá nas profundezas líquidas.
Pela primeira vez em muitas luas, ele se sentia verdadeiramente feliz. Uma vez mais, estava livre para deslizar pelo elemento que melhor conhecia desde que nascera. Quando pensou em voltar à margem — já que era aguardado para um banquete real naquela mesma noite — sentiu um súbito puxão, e percebeu que havia sido capturado pela malha da rede de um pescador. Antes que pudesse pensar em voltar à forma humana, ele foi retirado da água e jogado, ofegante, no canto de um pequeno barco.
— Bem, vamos atracar, rapaz — ele ouviu uma voz áspera exclamar.
De imediato, a sampana começou a se mover com rapidez em direção à margem. Lung Wang lutou desesperadamente para se lançar ao rio. Enquanto estivesse fora da água, que é onde os peixes devem ficar, ele não conseguiria usar seus poderes mágicos.
— Puxa! Não há nada mais frágil que um peixe fora d’água — disse ele a si mesmo, desgostoso.
Assim que os dois homens alcançaram a margem, eles amarraram o barco e rumaram para casa, levando consigo Lung Wang e dois pequenos bagres. Uma mulher os recebeu no portão. Enquanto o abria, perguntou:
— Alguma sorte?
— Não muita — resmungou o marido. — O vento está muito forte. Os peixes estão todos no fundo. Pegamos alguns para comer, mas nenhum para vender no mercado.
Em um canto da pequena casa de barro, sentada sobre uma cama de tijolos, estava uma jovem de dezesseis anos, costurando. Quando a mãe entrou carregando os peixes, a moça desviou os olhos de seu trabalho. Lung Wang, arfando e desejoso do ar que lhe era negado, olhou-a maravilhado. Embora trajasse as vestes mais simples, ela era a mais bela de todas as mulheres que já havia visto. Por um momento, ele esqueceu o próprio sofrimento, tamanha era a sua admiração por aquela bela criatura. Ah! Como os deuses haviam sido cruéis com ele. Havia procurado por todos os reinos da terra e do mar, e ainda assim não encontrara uma mulher que pudesse amar. Mas, vejam só: foi na cabana de um pescador, à beira da morte e desamparado, que encontrou aquela que tomaria de bom grado como sua rainha!
Todo o seu ser se rebelou frente à ideia de morrer agora, estando tão perto do sucesso. Ó! Se pudesse ao menos atrair a atenção da garota, talvez ela se apiedasse dele. Em um último esforço, saltou das mãos da mulher e se lançou aos pés da menina.
— Minha nossa! Que beleza, mãe! — exclamou a moça, deixando de lado seu trabalho e se inclinando para apanhar o peixe indefeso. — Pobre criatura! Parece estar quase implorando para que eu o salve.
Lung Wang estremeceu de modo violento ao ouvir tais palavras de compaixão ditas em voz tão doce e suave. Soavam como música aos seus ouvidos.
— Não precisará de todos para fazer o jantar, não é? — continuou ela. — Colocarei este aqui em um jarro d’água para que tenha um novo sopro de vida.
Ao dizê-lo, jogou Lung Wang dentro de uma grande jarra de argila que ficava ao lado da porta. Ela passou algum tempo admirando o vermelho vivo que adornava o suposto peixe, enquanto este contemplava com encanto renovado o porte gracioso e a viçosa cor das bochechas da moça.
Naquela noite, após todos na casa do pescador terem ido se deitar, Lung Wang ouviu a voz do homem falando com a esposa.
— Sim, é lamentável que não tenhamos conseguido um partido melhor para a menina — dizia o pescador. — Ela é bela o suficiente para ser esposa de um príncipe, mas não conseguimos nada melhor porque somos pobres. Eles virão amanhã para planejarmos o casamento.
— O que mais me preocupa — replicou a mãe — é que o sujeito é um bêbado. Temo que baterá nela. Não suporto a ideia de vê-la sofrer desse jeito.
— Bem, não vejo como podemos sair dessa situação. Pelo que vejo, não há como voltar atrás agora. É mais fácil cair na rede do que sair dela.
Isso é verdade, pensou Lung Wang, sorrindo.
— Eles virão amanhã, ao meio-dia, para fazer os preparativos e assinar os papéis — continuou o pescador.
— Só sei — emendou a mãe — que nossa menina é digna de um rei, e que, não fôssemos pobres camponeses, ela se casaria com um e o faria feliz.