Era uma vez uma princesinha cujo pai era rei de um vasto país, cheio de montanhas e vales. O palácio do rei fora construído no alto de uma dessas montanhas, e era muito grande e bonito. A princesa, cujo nome era Irene, nasceu nesse palácio, mas, como sua mãe não era muito forte, pouco depois foi mandada para ser criada por camponeses em um lugar enorme, meio castelo, meio casa de fazenda, na encosta de outra montanha, a meio caminho entre a base e o pico.
A princesa era uma menininha doce e, no momento em que começa minha história, estava com mais ou menos oito anos, eu acho — mas ficou mais velha bem depressa. Tinha o rosto alvo e bonito, com olhos que eram como pedaços do céu à noite, cada um com uma estrela dissolvida no azul. Eram olhos que davam a impressão de saber terem vindo de lá, de tanto que se viravam naquela direção. O teto do quarto da princesa era azul, com estrelas pintadas, e o mais parecido com o céu de verdade que conseguiram fazer. Mas eu duvido que ela alguma vez tenha visto um céu estrelado verdadeiro, por um motivo que acho melhor contar logo.
As tais montanhas eram cheias de lugares ocos embaixo: cavernas enormes e caminhos tortuosos, alguns com água correndo pelo meio, e outros cintilando com todas as cores do arco-íris quando a luz entrava neles. Ninguém saberia muito sobre eles se não fosse o fato de existirem minas ali — grandes poços fundos, aos quais se chegava por galerias e passagens compridas, e que tinham sido escavados para retirar o minério que era abundante nas montanhas. Enquanto cavavam, os mineiros descobriam várias dessas cavernas naturais. Em algumas delas havia aberturas que davam para a lateral de uma montanha ou que terminavam em uma ravina.
Pois nessas cavernas subterrâneas vivia uma raça de seres estranhos, que alguns chamavam de gnomos, outros de kobolds e outros de goblins. No país havia uma lenda segundo a qual eles já tinham vivido na superfície e sido muito parecidos com as outras pessoas. Mas, por uma razão qualquer, para a qual havia as mais variadas teorias lendárias, o rei tinha cobrado dos goblins taxas que eles tinham achado muito altas, ou feito exigências com as quais eles não concordaram, ou começado a tratá-los com mais severidade e, de algum jeito, a impor leis mais rigorosas; e, como consequência, eles desapareceram da face da terra. No entanto, segundo a lenda, em vez de se mudarem para outro país, os goblins se refugiaram nas cavernas subterrâneas, de onde só saíam à noite. Mesmo assim, nunca eram vistos em grupos grandes, e só apareciam para poucas pessoas de cada vez. Diziam que, mesmo durante a noite, era apenas nas partes mais desertas e inacessíveis das montanhas que eles se reuniam ao ar livre. Aqueles que já tinham visto os goblins diziam que eles haviam mudado muito ao longo de gerações; e isso não é de admirar, já que viviam longe do sol, em lugares escuros, úmidos e frios. Eles não eram mais só feios, mas sim horríveis, ridiculamente grotescos tanto de rosto quanto de corpo. E, diziam, não havia invenção, da mais louca imaginação, expressada por lápis ou caneta, capaz de superar a extravagância da aparência deles. Mas eu desconfio que aqueles que diziam isso tenham confundido algum animal com os goblins em si — e disso falaremos mais adiante. Os goblins não eram assim tão diferentes dos humanos quanto aquelas descrições poderiam fazer crer. E, à medida que tinham piorado fisicamente, foram também ficando mais espertos e inteligentes, e se tornando capazes de fazer coisas que nenhum mortal imaginaria. Porém, quanto mais sabidos ficavam, mais os goblins também se tornaram malvados, e o maior deleite deles era descobrir qualquer maneira de atrapalhar a vida daqueles que viviam na superfície, ao ar livre. Ainda lhes restava um pouco de afeição uns pelos outros, o que os impedia de ser absolutamente cruéis pelo simples prazer da crueldade com aqueles que encontrassem pelo caminho; mas, ainda assim, era tamanho o rancor ancestral que sentiam pelos que tinham tomado seu lugar, e em especial pelos descendentes do rei que causara sua expulsão, que os goblins não perdiam a chance de atormentá-los, usando meios que eram tão estranhos quanto eles próprios; e, embora fossem atarracados e feios, eles tinham uma força que se equiparava à sua inteligência. Com o tempo, os goblins passaram a ter um rei e um governo cujo principal objetivo, além de regulamentar as questões simples do cotidiano, era criar problemas para os vizinhos. Agora ficou claro por que a princesinha nunca tinha visto o céu à noite. Todos temiam demais os goblins para deixá-la sair da casa, mesmo na companhia de muitas pessoas; e eles tinham toda a razão em agir assim, como logo veremos.