A Morta Apaixonada (Mini)

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Em estantes brasileiras

Já fizemos o envio de mais de 50 mil caixinhas para as mais diversas cidades do Brasil, e adoraríamos ter uma participação cada vez maior em suas leituras.

O senhor me perguntou, irmão, se eu amei: sim. É uma história singular e terrível, e, embora eu tenha sessenta anos, mal ouso revirar as cinzas dessa lembrança. Não quero lhe negar nada, mas não contaria a uma alma menos vivida um tal relato. São eventos tão estranhos que não consigo acreditar que me aconteceram. Fui durante mais de três anos o joguete de uma ilusão singular e diabólica. Eu, pobre padre do interior, levei em sonho todas as noites (Deus queira que seja um sonho!) uma vida de maldito, uma vida de mundano e de Sardanápalo. Um único olhar cheio demais de complacência lançado sobre uma mulher bastou para causar a perda de minha alma; mas, enfim, com a ajuda de Deus e de meu santo padroeiro, cheguei a expulsar o espírito maligno que tinha se apossado de mim. Minha existência se complicara com uma existência noturna inteiramente diferente. De dia, era um padre do Senhor, casto, ocupado com a prece e com coisas santas; de noite, assim que fechava os olhos, tornava-me um jovem fidalgo, fino conhecedor de mulheres, cães e cavalos, que jogava dados, bebia e blasfemava; e quando despertava, ao raiar da aurora, parecia-me ao contrário que adormecia e que sonhava que era padre. Daquela vida sonambúlica, restaram-me lembranças de objetos e palavras dos quais não posso me defender, e, embora nunca tenha saído dos muros de meu presbitério, quem me escutasse diria antes tratar-se de um homem que usou de tudo e retornou do mundo, que entrou na religião e que quer acabar no seio de Deus seus dias agitados demais, do que um humilde seminarista que envelheceu em uma paróquia ignorada, no fundo de um bosque e sem nenhuma relação com as coisas do século.
Sim, eu amei como ninguém no mundo amou, com um amor insensato e furioso, tão violento que estou surpreso que não tenha feito meu coração explodir. Ah, que noites! Que noites!
Desde minha mais tenra infância, senti a vocação para ser padre; assim, todos os meus estudos foram dirigidos para esse sentido, e minha vida, até os vinte e quatro anos, não foi nada além de um longo noviciado. Quando acabei meus estudos em Teologia, passei sucessivamente por todas as pequenas ordens, e meus superiores me julgaram digno, apesar de minha grande juventude, de cruzar o último e temível degrau. O dia de minha ordenação foi marcado na semana de Páscoa.
Nunca havia saído para o mundo. O mundo era para mim o pátio interno do colégio e do seminário. Sabia vagamente que havia alguma coisa que se chamava mulher, mas não detinha nisso meu pensamento. Era de uma inocência perfeita. Não via minha mãe envelhecida e idosa senão duas vezes ao ano. Essas eram todas as minhas relações com o lado de fora.
Não lamentava nada, não sentia a menor hesitação diante daquele engajamento irrevogável; estava repleto de alegria e de impaciência. Nunca um jovem noivo contara as horas com um ardor mais fervoroso; não dormia, sonhava que realizava a missa. Ser padre, não via nada de mais belo no mundo. Teria recusado ser rei ou poeta. Minha ambição não concebia nada além disso.
Isso que estou contando é para lhe mostrar o quanto o que me aconteceu não devia acontecer comigo e de qual fascinação inexplicável eu fui vítima.
Tendo chegado o grande dia, caminhei para a igreja com um passo tão leve que me parecia estar sendo sustentado no ar ou que tinha asas nos ombros. Considerava-me um anjo e ficava surpreso com a fisionomia sombria e preocupada de meus companheiros, pois nós éramos vários. Havia passado a noite orando e estava em um estado que quase alcançava o êxtase. O bispo, um venerável ancião, parecia Deus Pai, debruçado sobre sua eternidade, e eu via o Céu atrás das abóbadas do templo.
O senhor conhece os detalhes dessa cerimônia: a benção, a comunhão em duas espécies, a unção da palma das mãos com o óleo dos catecúmenos, e, enfim, o santo sacrifício ofertado em conjunto com o bispo. Não vou me alongar sobre isso. Oh, como Jó tem razão! Pois é imprudente aquele que não conclui um pacto com seus olhos! Levantei por acaso minha cabeça, que até ali havia mantido inclinada, e percebi à minha frente, tão perto que poderia tê-la tocado, embora na realidade estivesse a uma distância grande o bastante e do outro lado da balaustrada, uma jovem dama de uma beleza rara e vestida com uma magnificência real. Foi como se escamas caíssem de meus olhos. Experimentei a sensação de um cego que subitamente recupera a visão. O bispo, tão radiante instantes antes, ofuscara-se de vez; as velas empalideceram em seus candelabros de ouro como as estrelas pela manhã, e fez-se em toda a igreja uma completa escuridão. A encantadora criatura se destacava naquele fundo de sombra como uma revelação angelical; parecia iluminada por si mesma e emitir luz em vez de recebê-la.